sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Making of - A criação de GTA


Traduzido pelo colaborador Henrique

Conversando com aqueles que trabalharam para a DMA Design no final dos anos 90 é difícil conseguir alguém para reivindicar os créditos para si, embora todos sejam generosos uns com os outros. O desenvolvimento de Grand Theft Auto, ou Race'n'Chase como era originalmente conhecido antes de um confronto de nomes forçar uma mudança, foi colaborativo e muitas vezes tempestuoso, e como consequência é extremamente difícil de definir como as coisas foram tomando forma, mesmo para aqueles que estavam lá na época.

Seus primeiros dias no entanto, são um pouco mais fáceis de contar . "A ideia original era criar um jogo baseado em uma cidade viva", lembra o roteirista chefe da DMA Brian Baglow . "A ideia era construir um ambiente ativo que poderia reagir ao jogador e onde havia consequências para suas ações."

Os desenvolvedores da DMA estavam cansados das definições estereotipadas e inimigos implausíveis que aparentemente existiam por nenhuma outra razão do que para perseguir o jogador, sempre lembrando-lhes que eles estavam jogando um jogo. Eles queriam algo mais convincente, mais envolvente . Ambientes "vivos" pareciam ser a resposta e vários projetos que estavam sendo desenvolvidos na empresa levavam essa ideia a sério. Body Harvest , por exemplo, iria se passar em uma série de ilhas pouco habitadas , mas o mais ambicioso desses mundos seria fazer uma cidade inteira .

A primeira cidade viva da DMA tinha pouca semelhança com aspecto distinto do jogo final. O programador Mike Dailly havia produzido um protótipo de engine para a cidade usando um 3D rotacionável com vista de estilo isométrico sofisticado. A jogabilidade para esta metrópole moderna foi destinada a concentrar-se em conflitos diretos entre gangues rivais, em grande parte a pé , porque a vista era pouco adequada para uso de conduções. Infelizmente, quando a engine passou de protótipo à produção, houve problemas para conseguir o desempenho necessário - e juntamente com o lançamento de Syndicate Wars, parecido visualmente e de certo modo também no gameplay, levou a equipe a reconsiderar o projeto ambicioso. Mas, felizmente, Dailly estava trabalhando em outras ideias independentes.


Jogos de plataforma tinham tido sucesso com a DMA e Dailly tinha ficado impressionado com a nova abordagem gráfica do game da Sega Clockwork Knight. Embora com a alma de um tradicional jogo de plataforma de vista lateral, Clockwork Knight usou as capacidades 3D do novo console Saturn para adicionar perspectiva às plataformas. Isto deu-lhes uma profundidade convincente, a extremidade mais próxima do jogador aparentava ser maior e ia reduzindo de tamanho conforme se aumenta a distância. Dailly criou um protótipo do efeito, e ficou satisfeito com o resultado. Poderia a DMA usar essa abordagem para seu novo jogo?


A visão padrão dos jogos de corrida de cima para baixo, no entanto, fez Dailly pensar: "Me ocorreu que embora eu tivesse uma visão lateral na engine, tudo o que eu precisava fazer era acrescentar um piso, e que poderia simular uma visão de cima. Assim, junto com o programador gráfico comecei a utilizar o protótipo anterior como base."

Protótipo da engine
Ele mostrou o jogo ao chefe do estúdio Dave Jones, que ficou imediatamente impressionado : "Era uma teck-demo que parecia ser muito boa" lembra ele . "Ao ficar com esta engine pseudo-3D poderíamos povoar muito mais o mundo em comparação a cidades completamente em 3D. Com a câmera travada a um carro, iríamos ter uma boa distância de visão, podendo viajar mais rápido e continuar com uma grande sensação de profundidade." O ponto de vista restrito permitiu a Jones dar forma ao conceito, concentrando-se sobre o que estava na cidade, ao invés de sobre o que aparecia. "Eu queria criar uma cidade tão movimentada quanto possível. Eu senti que um jogo clássico de polícia enfrentando bandidos ia realmente dar certo." Race'n'Chase nasceu e foi levado à distribuidora BMG Interactive como um título que Jones queria desenvolver.

O trabalho começou de imediato, colocando carne no esqueleto nu da cidade viva. "Ônibus seguindo rotas, as pessoas indo e vindo, semáforos funcionando corretamente, uma rede ferroviária. Quanto mais conseguíssemos torná-lo um mini mundo vivo, mais divertido o jogo tornaria".

Infelizmente, quando o desenvolvimento começou havia vários problemas com o conceito original. "Ninguém queria jogar como os policiais, por isso que abandonamos a ideia", lembra Jones.

O problema inerente com os policiais foi que ser o bom moço o tempo todo era difícil, como qualquer um que tenta jogar o jogo final como um cidadão cumpridor da lei. É mais difícil não desviar das pessoas do que simplesmente atropelá-las. Baglow resume os problemas: "Se o tráfego era pesado, você como um policial não poderia decidir dirigir na calçada ou atravessar através de um parque movimentado. Não podíamos deixar o jogador fazer isso e ainda recompensá-lo. Dirigir com segurança e de forma sensata para o seu destino - observando a segurança rodoviária - era tão divertido quanto um simulador de instrutor de auto escola".

Alterações nesta escala são típicas no desenvolvimento de todo jogo. Baglow lembra: "Houve várias reuniões de desenvolvimento aquecidas que resultaram em lágrimas. Gritos, socos e discussões eram comuns."

Nós não tínhamos uma ideia clara do que exatamente o jogo final seria. Sabíamos que tínhamos algumas grandes mecânicas lá e algumas novas formas muito inovadoras para interagir, mas os detalhes eram impossíveis de definir até que a maioria dos outros elementos do jogo estivesse pronta. Uma vez que você sabia como iria lidar com os carros e como os pedestres reagiriam e assim por diante, você podia incorporar isso no design das fases e nos bônus."

"O bônus Gouranga é realmente um bom exemplo disso", ressalta. "Um dos programadores veio com uma rotina de programação que gerou pedestres em fila. Isso levou à ideia de uma fila de Krishnas seguindo uns aos outros na rua e uma vez que todos tinham tentado atropelar todos eles de uma só vez, o bônus Gouranga tornou-se uma adição óbvia."


Essa foi apenas uma das menores alterações durante o desenvolvimento. Várias delas embora essenciais para tornar o jogo um sucesso, iriam causar com que muito do trabalho já feito fosse jogado fora, como lembra o programador Brian Baird: "Se estivéssemos presos ao projeto original , GTA teria fracassado . A escala das missões era muito pequena, com o projeto de ser uma série de missões de cinco minutos curtas e rápidas, retornando para a tela de seleção de missões. Originalmente, o jogador começava como entregador e trilhava seu caminho até o topo. Nós rapidamente descobrimos que não era divertido entregar pizzas".

Um dos momentos decisivos da série aconteceu no início de 1996, não muito depois Baird se juntar à equipe. "Naquela época ainda estávamos trabalhando em uma série de pequenas missões" diz ele. "Tivemos um longo brainstorm, onde a ideia de uma longa fase contendo múltiplas missões foi proposta por um dos level designers, Paul Farley. Pegamos essa ideia e a expandimos na estrutura do jogo. Isso significou uma grande expansão dos scripts e melhorias nos sistemas do jogo - eles tiveram que aprender a lidar com o jogo rodando com várias missões ao invés da estrutura normal".

Muitas ideias e abordagens foram cogitadas, algumas bastante diferentes para o jogo final. Baird lembra de sugestões para um tema de horror. "Uma grande parte de missões foram originalmente planejadas para ser inspiradas em Omega Man. A equipe adorou a ideia de correr atrás de centenas de zumbis, mas não conseguimos encaixá-la dentro da estrutura e o tempo que levaria não valia a pena. Tudo relacionado a zumbis foi abandonado."


Projetos de missões não eram as únicas coisas que ele se lembra de ter que deixar para trás. "Havia uma série de recursos de cunho “cidade viva” que foram suprimidas. O jogador poderia quebrar caixas de luz de tráfego e um técnico iria passar consertando. Claro que o jogador poderia matar os reparadores e parar todos os reparos. Havia uma equipe de TV que filmaria acidentes graves. Ela foi descartada, embora a van da TV continuou no jogo. San Andreas deveria ter um sistema de bondinhos elétricos como os de São Francisco, no entanto não poderia fazê-lo funcionar bem com o tráfego regular e por isso foi removido, embora a arte do cabo tenha permanecido." A versão PlayStation, embora preservando o núcleo do jogo, perdeu ainda mais recursos, incluindo os bombeiros e os trens.

Após 18 meses em desenvolvimento, a cidade inteira teve que ser destruída e reconstruída, como Baird lembra novamente. "Mike Dailly veio com uma nova técnica para desenhar tiles em cores de 24 bits em vez dos de baixa resolução que nós estávamos usando. Tecnicamente foi impressionante para a época, mas que exigisse que cada tile e gráfico do jogo fossem redesenhados". Se o novo recurso prometia um jogo melhor ele então foi incluído independentemente do custo extra. O novo visual acrescentou mais 12 meses de desenvolvimento ao jogo.


Felizmente a editora BMG era geralmente compreensiva, tínhamos um bom relacionamento com o produtor Gary Penn. Já as relações com a BMG dos EUA, no entanto, nem sempre foram tão suaves. Como a BMG envolveu mais pessoas de dentro da indústria no jogo, alguns começaram a se preocupar, como Jones lembra: "Nós não poderíamos competir graficamente com digamos, Ridge Racer, por isso estávamos contando com o fato de que o jogo era radical em termos de jogabilidade e em seu conteúdo. O lado do conteúdo nunca foi um problema. A BMG nos apoiou 100 por cento, para colocar tudo o que queríamos no jogo. Isso vindo de uma gigante do mundo dos negócios nos ajudou muito. Foi uma pena ver BMG perder essa sua abordagem e tornar-se apenas mais uma editora de jogos. A BMG EUA não achava que poderíamos lançar um jogo top-down para o mercado que fizesse sucesso. Isto foi a apenas três meses da conclusão do projeto. Eu estava confiante de que os fatores diversão e originalidade tornariam o game um sucesso, e também tivemos grande apoio da BMG Europa. Felizmente assim ganhamos a discussão."

Apesar de ter levado um ano inteiro a mais para produzir do que o inicialmente esperado, Jones acredita que foi a coisa certa a se fazer: "O tempo extra realmente beneficiou o jogo de forma maciça. Nós tínhamos realmente pressionado as coisas em algumas áreas, como áudio, algo que eu não tinha planejado."

Felizmente, isso resultou em uma outra área em que o jogo teve sucesso. "Naquela época a ideia de um bom áudio de jogo da maioria das pessoas era de que você não precisaria desligá-lo", lembra o diretor de áudio Colin Anderson. "Eu sugeri que, a fim de adicionar um elemento interativo para a música, seria bom colocá-las nos carros como se estivessem saindo dos auto falantes do carro. Dessa forma, quando um jogador entrasse em um carro o rádio iria começar e quando saísse iria parar: voila! Áudio interativo! Uma vez que a ideia das estações de rádio foi estabelecida o resto foi relativamente óbvio - DJs, reportagens e diferentes tipos de música para diferentes tipos de carro."

As estações de rádio também proporcionaram um incentivo a mais para usar veículos menos potentes do jogo. Com má dirigibilidade e baixa velocidade, a picape teria sido rapidamente abandonada se não fosse a satisfação garantida de ouvir um bom country e western. A abordagem de Anderson era pouco ortodoxa e também controversa. "Havia um número considerável de pessoas que sentiram que isso era muito radical", diz ele.

"Eu sabia que era uma bobagem total o que eles diziam, pois filmes faziam isso com êxito o tempo todo. Diferentes estilos se misturaram com sucesso pois eles trabalharam em contexto com o visual."


A diversidade de músicas também foi necessária para fazer o rádio convincente. "Ele não seria bom se as músicas não soassem bem o suficiente a ponto das pessoas acreditarem que elas estavam ouvindo bandas reais de que eles simplesmente não tinham ouvido falar", como Anderson lembra. Isto provou ser muito útil - e foi levado um pouco literalmente por Baglow quando foi divulgar o jogo. "Ele deixou a entender que as bandas e faixas eram todas reais e licenciadas especialmente para o jogo", talvez um dos exageros mais compreensíveis. Infelizmente, nem todos os trabalhos de áudio poderiam ser utilizados. O tanque por exemplo perdeu uma sonoridade interessante, para ganhar credibilidade, que era uma versão do hino nacional americano, que iria tocar enquanto ele era pilotado.

Com áudio, gráficos, a vida da cidade e a estrutura de missões do jogo finalmente tendo se unido, Grand Theft Auto foi lançado para o sucesso imediato, o que justificou o enorme esforço e compensou de alguma forma a imensa quantidade de trabalho perdido. A determinação de Jones e a indulgência da BMG receberam seus prêmios. Infelizmente, depois de ter ajudado a criar um sucesso, a BMG se retirou do mercado de jogos pouco depois, para grande pesar de Jones: "Eles ajudaram a criar um dos maiores jogos, mas não ficaram por tempo suficiente para apreciá-lo. A BMG realmente teria sido ótima para a indústria."

A série GTA é frequentemente vista como a criadora do gênero sandbox, mas na verdade é que ela foi construída sobre uma forte herança do arcade e jogos de exploração. Mesmo o estilo de jogo “ladrão de carros” já tinha sido visto em jogos como Hunter e Mercenary antes disso. Seu diferencial foi pegar o melhor de tudo o que já tinha sido lançado antes e fundi-lo, juntamente com ambição, habilidade e incrível atenção aos detalhes. A palavra que veio à tona na conversa com os seus criadores é "diversão", quando surgiu a oportunidade de tornar o jogo mais divertido, não importou que isso significasse jogar fora uma enorme quantidade de trabalho, essa ideia foi agarrada com as duas mãos. A série que resultou foi copiada inúmeras vezes, mas alguns imitadores não pararam para pensar que o segredo para o seu sucesso é o processo de desenvolvimento e não o produto em si.

Texto original: Edge

4 comentários:

  1. Excelente matéria, parabéns !

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  2. GTA mudou minha ideia do que é jogar em mundo aberto, tirando inclusive um pouco do prazer de jogar um bom RPG. Joguei o GTA 2 sem dar muita bola, mas depois de jogar o Vice City, dei mais atenção aos dois primeiros e vi como eram incríveis para a época. Só acho que, hoje em dia, o Saints Row é mais divertido. Se o GTA V não for mais do mesmo com melhores gráficos, como aconteceu em GTA IV (aliás, San Andreas é bem mais divertido), eu volto a dizer que a Rockstar é melhor que a THQ. Mas como só tenho video-game da Nintendo e um PC, vai demorar um pouquinho. hehe

    PS: Ótima adaptação, sou fã do blog.

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  3. Syndicate Wars era foooodaaa!

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  4. Excelente matéria mesmo!!!
    Joguei GTA desde o primeiro até o V
    o primeiro na época foi totalmente revolucionador, era incrível todas as possibilidades que o jogo tinha. Praticamente um filme visto de cima.

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